terça-feira, 15 de outubro de 2013

Revolução pela Democracia Universitária de Setembro.

Nos últimos dias agosto vários professores da U.N.La.R. receberam a notícia de que seriam demitidos e não iriam mais dar aulas em setembro, isso atingiu de certa forma todas as carreiras da universidade meu segundo ano de medicina parece que não foi afetado porém eu recebera essa informação com lagrimas nos olhos da minha professora de francês, recém demitida pelo motivo de ter 61 anos e ser considerada velha, o problema é que simplesmente não havia nenhuma outra professora de francês disponível na cidade pra continuar conduzindo as aulas, e mais, várias outras carreiras foram pegas assim também, desprevenidas e sem ninguém pra conduzir o restante das aulas, quem recebeu o golpe mais duro foi a faculdade de Arquitetura que perdeu mais de 10 docentes, e estava fadada ao 'declínio radical' de excelência acadêmico. Pra você leitor que não faz parte da universidade eu te explico que o reitor está(estava) no poder há 26 anos e claro pra se manter tanto tempo assim, ou tem que ser perfeito ou tem que ser ditador truculento né? Lógico que ele se enquadrava na segunda opção... Na minha opinião pessoal ele não era um vago, no pouco tempo em que fiz parte da universidade percebi que ele sempre fazia algo novo e expandia a universidade de alguma forma, mas por outro lado podia sentir que o nível da universidade diminuiu, por exemplo, com minha turma aumentou a oferta de vagas mas não a de professores. Ano passado eu tinha aulas em laboratório em bioquímica e digo que foi uma ótima experiencia e esse ano o pessoal do primeiro ano não tem, esse ano os principiantes não podem contar com a disponibilidade de corpos e órgãos, peças anatômicas em geral que eu pude contar no ano passado pois se perderam a maioria no transporte da velha morgue no campus para a nova no H.C. e várias outras coisas, pequenas irregularidades que foram surgindo, isso porque eu só falei do primeiro ano, imagine problemas assim em toda a universidade. Aconteceu que depois das eleições no meio do ano com a troca de autoridades a universidade ficou meio sem rumo e parecia que meia duzia de pessoas estavam decidindo e administrando toda a universidade nacional tomando decisões importantíssimas erradas, enfim fazendo cagadas.
E essa da demissão em massa dos professores foi a gota d'água. No dia 11 de setembro houve uma reunião de assembleia de 15 estudantes pra debater o porque da demissão de mais de 30 professores. Só 15... até então ninguém tinha coragem de ir contra o reitor, que era famoso por conseguir atrapalhar a vida de qualquer um de várias maneiras e tinha influencia a seu favor por todos os lados, mesmo assim o movimento pequeno foi ganhando forças, já que todo mundo tava cansado desse clima, e a bronca com o reitor já era acumulada por gerações, afinal 26 anos é muita coisa e com certeza ele afetou muita gente pra se manter no topo, sem falar que grande parte dos alunos estavam na bronca pela demissão dos professores que eram muito queridos por todos. No dia 17 de setembro houve uma marcha na cidade com mais de 2500 pessoas contando com alunos, familiares e professores. No dia seguinte houve uma segunda assembleia na universidade dessa vez com mais de 200 membros (grande parte do curso de arquitetura já que está recebera o golpe mais duro e há muito tempo já andava revoltada com a administração da universidade) e decidiram tomar a escola de arquitetura. Nesse episódio houveram muitas ameaças por parte dos apoiadores do reitor de fechar a carreira e dos participantes sofrerem duras penas pelos seus comportamentos, nessa hora 'essencial' todos se uniram e depois de uma assembleia decidiram tomar a cidade universitária completamente. No dia seguinte mais de mil alunos foram prestar auxílio
 e partir dai eu posso dizer que o curso de medicina e até mesmo eu acordamos e fomos ajudar na toma da universidade.
Uma coisa que ficou clara desde cedo a toma da universidade foi 100% pacifica e apartidária em nenhum momento houve violência, álcool ou tumulto.
Qualquer pessoa que tentasse hostilizar ou agredir um aluno a conduta a seguir era ignorar insultos e tirar fotos e gravar a ação de qualquer um que tivesse um comportamento incomum.
O prédio do reitorado ficou cercado e alguns funcionários tentaram sair de carro após o inicio da toma porém os alunos impediram a passagem de saída do estacionamento subterrâneo do reitorado e os funcionários incluindo a filha do reitor resistiram la dentro, acredito que muito provavelmente eles queriam guardar ou tentar fugir da universidade com documentos comprometedores, pacificamente os alunos se instalaram no entorno do prédio até que depois de dois dias os funcionários saíram, uma multidão foi de encontro a eles e em torno de uma corrente humana de alunos eles se foram recebendo muitas vaias.
Nesse meio tempo sempre trataram de minimizar a toma, torcedores de uma torcida organizada cordobesa foram contratados pra gerar tumulto, um sujeito tentou roubar o arquivo de alunos da universidade e um garoto se autoflagelou arrancando sangue de si, (por sorte gravaram ele se autoagredindo e ele foi encaminhado com a polícia), acredita-se que todas essas ações foram a mando do reitor e seus apoiadores. Os alunos rapidamente se organizaram em grupos e todos cuidavam de todas as escadas de acesso dos módulos do campus, ninguém poderia subir até o local onde estavam os arquivos e todos os professores e alunos que quisessem ter aulas eram barrados por correntes humanas pacificamente.
Assim a universidade paralisou completamente e a cada momento não parava de ganhar mais e mais forças com novos universitários aderindo a toma.
Oque os alunos reivindicavam?
A Renuncia do Reitor, da vice, dos decanos, dos membros do conselho superior e modificação do estatuto universitário acabando com a eleição indefinida de reitor. Em outras palavras buscavam algo difícil, uma acefalia na direção para que o governo federal pudesse intervir.
Primeiro o reitor tentou vencer os alunos pelo cansaço, a maioria ficava ao relento e nos primeiros dias ainda com o fim do inverno durante as madrugadas a temperatura sempre ficava negativa testando duramente a força jovem, mas resistimos todos, houve muito apoio dos professores e da comunidade em geral e a cada dia que o reitor ficava imóvil o movimento se fortalecia, uma coisa foi chave, época de eleições na Argentina, todos os partidos políticos tentaram se promover em cima da toma e todos ajudaram e deram apoio incondicional, o governador, ameaçado virou as costas pro reitor que apoiava e a cada manifestação vendo dezenas de milhares de pessoas nas ruas apoiando a universidade, se virou contra o reitor pra não perder votos. Houve uma série trama de interesses, bons e mesquinhos que tentaram tirar um pedacinho da atenção da toma, em nenhum momento os alunos se deixaram influenciar, porem toda ajuda era aceita e bem vinda. Com 8 dias de toma o reitor renunciou, um milagre, mas a vice reitora tentou de tudo e não largou o osso, os alunos se mantiveram firmes.
Eu preferia ajudar na toma durante a noite, e após umas noites de ronda por serem geladas logo passei a ajudar na faculdade de humanas, que tinha poucos alunos por carreira e precisava de uma forcinha. Digo a vocês leitores, se forem universitários e participarem de uma revolução universitária, se juntem a parte de humanas hahaha, são muito artísticos e animados, descontraídos, completamente diferente da seriedade de medicina e organização restrita de advocacia e arquitetura, eu acho que fiz uma boa escolha, ficava dentro do prédio aquecido de humanas, ouvia boa música clássica alternando com jazz e via apresentações animadas de teatro enquanto "vigiava" as escadas.
Eu me mijei de rir com as apresentações desse cara essa foi a do Gaúcho do interior.
Com o tempo a assembleia após muitas reuniões se organizou, foram separados 2 delegados para cada carreira pra evitar tanta gente discutindo ao mesmo tempo, professores, representantes de sedes do interior etc. Os alunos se dividiram em varias funções, segurança, cozinha, limpeza, logística, primeiros socorros, projeto(que tinha a função de dar aulas de tutoria não obrigatórias para os alunos não perderem o ritmo de estudo) etc. Todos se ajudavam, a turma da advocacia guiada pelos professores ajudavam qualquer aluno que sofresse ameaça utilizando medidas legais, a medicina cuidava de qualquer um que viesse a ter um piripaque com professores médicos prestando total auxílio, a faculdade toda se uniu e eu achei a sacada brilhante, eramos alto suficientes e muito bem organizados, em nenhum momento houve danos de qualquer tipo ao patrimônio, a policia federal controlava o ingresso a universidade e lacrou as portas dos prédios, ao sair da universidade imediatamente se encontravam viaturas da policia provincial cuidando da sua jurisdição. Enfim eu não vou dar mais detalhes porque senão esse post ficará gigantesco, mas houve muito mais coisas que nós alunos podemos viver e eu me espantava e sentia orgulho de tudo.
Algumas barracas ao lado do reitorado
Falando de mim, depois que o reitor renunciou eu diminui minha presença na universidade, só o fato de saber que eu poderia perder meu ano e que vou  passar minhas férias em La Rioja repondo aulas no verão me deixava triste, não só eu mas muita gente se sentiu assim afetada e o movimento perdeu forças, mas sempre houve gente que praticamente viveu na universidade todos esses dias e sempre haviam os que voltavam, eu mesmo aparecia na universidade e ajudava nos bicos a segurança ou passava algumas horas no prédio de humanas, mas como no começo quando passava de 12 a 14 horas direto na toma nunca mais eu fiz. Houve todo tipo de celebração e tentativa de chamar a atenção da mídia e do povo com o tempo vários artistas manifestaram apoio, nossa... houve tudo que você possa imaginar, shows de cantores famosos (sem nenhuma gota de álcool), missas, até missa do bispo da província teve na universidade. Jogo do Boca x River projetado no anfiteatro.
Terceiro protesto dia 28 de setembro mais de 30mil pessoas
Enfim os dias foram passando e aos poucos renunciando um ou outro membro do conselho superior, mesmo recebendo tamanha pressão de todos os lados parecia que a vice reitora e os decanos não queriam deixar de lado seus generosos salários e a direção da universidade.
Este que vos escreve de boné no 4° e ultimo protesto
No dia 8 de outubro houve uma mega marcha com mais de 50mil pessoas (La Rioja tem 180mil habitantes), numa terça feira comum, um terço da cidade saiu em marcha pedindo democracia e a renuncia das autoridades. Foi a maior marcha da qual eu já tivera participado até então e a maior marcha da história da província. No dia seguinte o conselho superior se reuniu no hospital de clinicas pra aceitar a renuncia formal e oficial do reitor. O Hospital de clinicas e o centro de investigações não haviam sido tomados até então por estarem a 1km do campus e pra não ter que dividir as forças dos alunos já que a cidade universitária é enorme. Ao saber que as autoridades se reuniriam no hospital de clinicas uma multidão de alunos abraçou todo o h.c. e ficou esperando ansiosa a decisão da reunião, ao saber que a vicereitora não iria renunciar e com a toma indo pra 21 dias os alunos se revoltaram e decidiram tomar o h.c. deixando todas as autoridades presas dentro do anfiteatro, um juiz federal veio e fortemente aplaudido por gritos de justiça entrou na reunião das autoridades, depois de muitas horas todos que tinham de renunciar, renunciaram e ascendeu ao poder como reitor interino por 10 meses o ex ministro da educação do governo como vice ficou um professor de engenharia escolhido pela assembleia de alunos por votação. Os novos decanos foram todos escolhidos pela assembleia de alunos. Os professores demitidos foram contratados novamente. E assim veremos oque o futuro nos reserva para nossa universidade, oque todos os alunos buscam é a excelência acadêmica.
Durante a toma a universidade ficou lotada de faixas com mensagens feitas pelos alunos, logo no inicio vi uma que me impactou e guardei comigo na memória.
Cuando la juventud se pone en marcha, el cambio es inevitable.

Um comentário: