domingo, 8 de janeiro de 2023

Internato de Pediatria e Exame Final de Carreira em Medicina

Começava o ultimo, e segundo muitos companheiros mais difícil internato, o de pediatria.
Os professores deixavam os alunos sob constante pressão com avaliações semanais, e controle de assistência as praticas.
A decana da área de saúde da universidade (decano é o cargo máximo de hierarquia universitária estando somente abaixo do reitor) era a encargada e professora chefe de pediatria, dra Schab. E logo abaixo dela o Dr. Danon um influente pediatra de La Rioja.
Ocorreram coisas interessantes durante esse internato, primeiro fomos divididos em grupos muito pequenos, e depois repartidos então éramos apenas 3 estudantes de medicina, íamos sobretudo aos centros de saúde primaria (postinho de saúde) e fazíamos a exaustão o controle pediátrico nas crianças e bebes (control de niño sano) que se faz periodicamente na semana de vida, 15 dias, 1 mes, 2, 4, 6, 9, 12, 15 e 18 meses, logo 2 anos, 2 anos e meio, 3, 4 ,5 e finalmente 6 anos de idade. Reconheço que me serviu muito isso porque depois como médico na patagônia fiz muitas vezes esse tipo de controle e fui o responsável por toda uma cidade. Minha primeira médica professora foi a Dra Garcia, especialista em urgências médicas pediátricas e para ser econômico de palavras, sinceramente creio que ela não aportou muito conhecimento... Depois dela tivemos a Dra Torres Chacon que essa sim foi uma real professora, ela deixava que fizéssemos tudo e somente observava para intervir em caso de erro na pratica, com ela somente sofriam alunos acanhados, quem era sem vergonha e gostava de fazer as praticas médicas e controles como eu, aproveitava a beça.
Fora as praticas tínhamos sempre aulas durante a semana e depois dessas aulas exames que nos mantinham baixo constante pressão para estudar e ter todo o conhecimento claro conosco. Pelo fator pressão, obviamente este foi o pior internato e os professores não passavam a mão na cabeça, se remelasse em 3 ou tivesse 3 faltas, adeus, repetia de ano, perder esse internato era o mesmo que esperar mais 1 ano, postergar o tão ansiado titulo de médico, portanto era prazeroso estudar e ao mesmo tempo angustiante por não permitir erros.
Depois dos exames e grandes provas e dois meses extenuantes tinha terminado esse internato.
Com poucos dias para estudar começava a loucura de tirar 4 finais de uma vez.

Depois do pesadelo de pediatria que foi o internato que mais sofri estava eu ai na maratona de estudos insanos, perda de peso, horas privadas de sono e toda semana uma ou mais avaliações, já era tempos de parciais seguidos de finais troncais rumo ao final integrador de carreira de med. Essa fase foi curiosa, perdi três quilos, tive respostas diferentes ao stress , uma semana me brotei todo de espinhas e  na ultima lembro que tive hiperidrose, meus pés suavam litros.

Nesses dias de intenso calor em La Rioja tal stress tive de memorizar tanto conteúdo que desenvolvi uma doença que com o olho clinico afiado, uma namorada argentina que tinha nessa época que também era estudante de medicina do quarto ano e cursava dermatologia, pode identificar e diagnosticar corretamente como uma Pitiriase Rosada de Gilbert. Quem leu o post do exame final de dermatologia vai se lembrar que eu mencionei essa doença lá. Olhando minuciosamente identificamos a placa mãe ou placa heráldica numa zona invisível para mim, bem no centro da minha região lombar.
Em apenas duas mesas de exame tivemos que dar 4 troncais, os 4 exames finais de uma vez. Clinica Médica, Tocoginecologia, Pediatria e Cirurgia.
Eu tentei logo as 4 de uma vez na primeira mesa e reprovei Tocoginecologia, era muito pouco tempo para estudar uma quantidade exorbitante de matérias e ter tudo na ponta da língua, na segunda mesa fui e finalmente pude aprovar e me credenciar para o exame final de medicina.
Com meu amigo Facundo Carrizo (atualmente Cardiologista em 2023) Felizes por ter aprovado a segunda mesa de Tocoginecologia.


Nesse então tínhamos que estudar tudo novamente essas 4 matérias, passando os dias... E faltando apenas 1 semana para o exame, nos reunimos todos os alunos na unlar e numa quente tarde de dezembro de 2019 realizamos um sorteio. O Dr. Danon faz uma espécie de bingo com o nome de todos alunos e vai nomeando oque ele tira o nome do saquinho e cada qual vai em dois grandes grupos, Um grupo para o hospital materno infantil e outro grupo para o hospital Vera Barros, os dois maiores hospitais de principal complexidade da província de La Rioja. Quem vai ao Vera Barros vai ser avaliado por uma banca de Clinica Médica e Cirurgia e quem vai ao Materno Infantil é avaliado por um tribunal de Tocoginecologia e Pediatria.
Para minha alegria e sorte fui sorteado para o Hospital Vera Barros com enfoque em Clinica Médica que era a troncal mais tranquila de todas. A partir dai comecei a estudar como um louco tudo que fosse relacionado a Cirurgia e Clinica Médica troncais que tinha maior afinidade e deixando de lado tudo que fosse Pediatria e Tocoginecologia.
Confesso que estudava com maior prazer essas duas matérias (hoje já escrevo esse texto para vocês como um médico especialista em Diagnostico por Imagens, rama da medicina que tem muito mais a ver com essas troncais, né. Já estava predestinado a seguir esse rumo da medicina!) Enfim indo ao post. No derradeiro dia da avaliação final, estava citado para ter meu exame já de tardezinha, e recebi uma chamada as 14h do Dr. Sosa, titular de Clinica Médica me convidando a ir ao Hospital para realizar meu exame final, na mesma hora acedi ao pedido, peguei meus livros e meu super caderno com um mega dossiê de resumos que eu tinha criado e foi fundamental nesse dia para meu exame.
Fui ao Hospital, falei com Nicolas Cuenca um dos encarregados da universidade no Vera Barros e ele entregou o numero de quarto e cama do paciente que deveria realizar uma historia clinica, parti até lá e encontrei o paciente saindo numa maca no corredor, perguntei aonde ele ia, O PACIENTE QUE ERA MEU EXAME FINAL ESTAVA SENDO DERIVADO! Eu inocentemente disse que tinha que fazer a historia clinica dele, no que os paramédicos riram e disseram, busque outro paciente, esse vem conosco! Já toda a ansiedade e stress que tinha acumulado a semanas me fez entrar em desespero, todos os pacientes já haviam sido assignados para diferentes alunos, e não tinha nenhum pra mim. Então voltei e perguntei ao encarregado se ele sabia de algum outro, oque ele disse, "vai lá no setor de clinica médica e faz a historia clinica de alguém, vai ser a base pro teu exame final". Voltei desorientado, tratei de me acalmar e fui buscar algum paciente. Até que encontrei uma senhora e olhei em seus olhos e a escolhi para minha historia clinica pedindo licença para indagar ela. Foi uma historia clinica que nunca mais me vou esquecer, ela estava internada em decorrência de um derrame pleural.
Momentos antes do exame final estava repassando minhas anotações de derrame pleural que tinha feito 3 anos antes, me seriam uteis para defender minha historia clinica que tinha feito a perfeição momentos antes com a paciente.

Durante o exame final, vi o Dr Sosa sorridente na mesa, ele começou perguntando sobre a paciente e como tinha feito a historia clinica, logo começou a fazer perguntas de derrame pleural, sintomatologias, clinicas, tipos de ruídos na auscultação, método diagnostico, padrão que vemos na placa de raios x e toracocentese. Depois ele quis saber normalmente a quantidade de liquido em derrames pleurais e sobre o liquido que detalhei os tipos se exsudato ou transudado. Depois de terminar de explicar e detalhar a característica de cada um. Ficamos os dois brevemente em silencio e o Dr. Sosa me olhava e sorria, perguntei se estava aprovado e ele disse que sim. Finalmente naquele momento soube que era, depois de 49 exames finais... Um médico. 
19 de dezembro de 2019 o dia que me tornei médico!
Depois de conseguir tal façanha sai de fininho voltei e agradeci a paciente que fiz a história clinica e vazei do hospital sem ninguém tacar farinha tinta ovos ou qualquer coisa, prática comum na Argentina mas que eu não curto muito.

Depois de mais de 3 anos de atraso escrevo essa postagem. Quero agradecer a todos que me acompanharam até aqui durante essa trajetória foram 7 anos, praticamente 8 só de graduação em medicina na argentina e na universidad nacional de la rioja! E quero avisar que não termina, tenho pensado escrever como esta sendo minha trajetória como médico, vocês gostariam de ler? Um grande abraço a todos vocês!