sábado, 6 de maio de 2023

Me formei, e agora? Viagem pela Patagônia.

 Uma vez formado em medicina, não podemos exercer imediatamente a profissão pelo simples fato de ter que esperar colar o grau e receber o diploma, não existe na Argentina nenhum mecanismo para se trabalhar imediatamente e caimos em uma especie de limbo temporal até que tudo se acomode e se leve a cabo uma série de tramites administrativos para finalmente de forma legal exercermos a medicina, já ciente de antemão do drama de muitos colegas veteranos que se formavam e ficavam desesperados por começar a trabalhar e gerar renda eu me preparei economicamente para essa etapa.

Vamos falar agora dos meus macetes...

Eu sempre gostei de viajar e conhecer novos lugares. Fui parasita da minha mãe por sete anos enquanto estudei medicina, todo mês ela mandava dinheiro e rapidamente eu com total autonomia comecei a gerir muito bem meu dinheiro. Recebendo uma cômoda quantia de cerca de 400 a 500 dólares mensais, (num post antigo expliquei e demonstrei que gastava cerca de 6 mil dólares anuais). Com esse habito comecei a guardar reservas mensais em reais e todo fim de ano quando ia ao Brasil fazia um mochilão e conhecia algum lugar de interesse. Foi assim que conheci o sul do Brasil, as costas do Uruguai, Buenos aires, as cataratas do Iguaçu, Santiago do Chile, o sul do Chile e os lagos patagônicos da Argentina e Bariloche.

Com o tempo sentia vontade de ter mais contato com a natureza e mochilando era mais complicado, aceder a lugares mais naturais longe de tudo, foi assim que comecei a viajar de moto, de mochileiro me tornei motociclista, ou "motochileiro". Tinha uma honda wave que seria uma espécie de Honda Biz no Brasil e com essa motinho depois de ver que um argentino tinha chegado no México rodando eu me perguntei porque não? Ir até a patagônia profunda, até o Ushuaia a cidade mais ao sul do mundo a apenas mil quilômetros da Antártica. Assim dois anos antes de me formar vencendo muitos medos e preconceitos, rodei com minha moto toda a província de La Rioja, 600km, depois de um tempo fiz a viagem mais doida, até Mendoza em uma semana, 1400 km, nenhum problema com a motinho, falei comigo, pronto se rodou 1400 sem problemas... Outro doido foi até o México, eu vou tranquilo até o Ushuaia! E assim foi durante 1 ano me preparei para essa viagem enquanto cursava o tramo final da carreira de medicina. e Assim que me formei vendi todas minhas coisas entreguei meu apto e com mil dolares no bolso sai para a melhor viagem da minha vida.


Depois de 2 meses cheguei no Ushuaia.



com apenas 800 dólares oque na época foram 73 mil pesos argentinos ou cerca de 3500 reais eu viajei por 74 dias 12 mil km.

Eu pensava que depois de 1 semana viajando sem parar eu já ia querer parar de viajar, tinha esse temor, ledo engano, descobri que isso me trazia extrema felicidade e pude ficar meses fazendo isso.

















Acho que nunca coloquei tantas fotos minhas no blog, do meu rosto. Essa viagem me fez crescer muito, as viagens, mochila, moto viagem, de certa maneira viraram meu passatempo favorito, nessa viagem fiz de tudo e convivi comigo mesmo, diria que é um excelente período de introspecção.

E recomendo muito a todos aqueles que estudam medicina quem acompanha esse blog, depois que você se formar, tire esse tempo para você porque uma vez que começamos a trabalhar é sem volta um circulo infinito de trabalho e estudos, portanto aproveitem a dadiva e alegria de serem médicos e de viajarem com a maior satisfação do mundo, planejem, guardem dinheiro para essa etapa post exame final de medicina e viagem muito, fiquem com as pessoas que amam, façam oque lhes faça feliz... É meu conselho.

domingo, 8 de janeiro de 2023

Internato de Pediatria e Exame Final de Carreira em Medicina

Começava o ultimo, e segundo muitos companheiros mais difícil internato, o de pediatria.
Os professores deixavam os alunos sob constante pressão com avaliações semanais, e controle de assistência as praticas.
A decana da área de saúde da universidade (decano é o cargo máximo de hierarquia universitária estando somente abaixo do reitor) era a encargada e professora chefe de pediatria, dra Schab. E logo abaixo dela o Dr. Danon um influente pediatra de La Rioja.
Ocorreram coisas interessantes durante esse internato, primeiro fomos divididos em grupos muito pequenos, e depois repartidos então éramos apenas 3 estudantes de medicina, íamos sobretudo aos centros de saúde primaria (postinho de saúde) e fazíamos a exaustão o controle pediátrico nas crianças e bebes (control de niño sano) que se faz periodicamente na semana de vida, 15 dias, 1 mes, 2, 4, 6, 9, 12, 15 e 18 meses, logo 2 anos, 2 anos e meio, 3, 4 ,5 e finalmente 6 anos de idade. Reconheço que me serviu muito isso porque depois como médico na patagônia fiz muitas vezes esse tipo de controle e fui o responsável por toda uma cidade. Minha primeira médica professora foi a Dra Garcia, especialista em urgências médicas pediátricas e para ser econômico de palavras, sinceramente creio que ela não aportou muito conhecimento... Depois dela tivemos a Dra Torres Chacon que essa sim foi uma real professora, ela deixava que fizéssemos tudo e somente observava para intervir em caso de erro na pratica, com ela somente sofriam alunos acanhados, quem era sem vergonha e gostava de fazer as praticas médicas e controles como eu, aproveitava a beça.
Fora as praticas tínhamos sempre aulas durante a semana e depois dessas aulas exames que nos mantinham baixo constante pressão para estudar e ter todo o conhecimento claro conosco. Pelo fator pressão, obviamente este foi o pior internato e os professores não passavam a mão na cabeça, se remelasse em 3 ou tivesse 3 faltas, adeus, repetia de ano, perder esse internato era o mesmo que esperar mais 1 ano, postergar o tão ansiado titulo de médico, portanto era prazeroso estudar e ao mesmo tempo angustiante por não permitir erros.
Depois dos exames e grandes provas e dois meses extenuantes tinha terminado esse internato.
Com poucos dias para estudar começava a loucura de tirar 4 finais de uma vez.

Depois do pesadelo de pediatria que foi o internato que mais sofri estava eu ai na maratona de estudos insanos, perda de peso, horas privadas de sono e toda semana uma ou mais avaliações, já era tempos de parciais seguidos de finais troncais rumo ao final integrador de carreira de med. Essa fase foi curiosa, perdi três quilos, tive respostas diferentes ao stress , uma semana me brotei todo de espinhas e  na ultima lembro que tive hiperidrose, meus pés suavam litros.

Nesses dias de intenso calor em La Rioja tal stress tive de memorizar tanto conteúdo que desenvolvi uma doença que com o olho clinico afiado, uma namorada argentina que tinha nessa época que também era estudante de medicina do quarto ano e cursava dermatologia, pode identificar e diagnosticar corretamente como uma Pitiriase Rosada de Gilbert. Quem leu o post do exame final de dermatologia vai se lembrar que eu mencionei essa doença lá. Olhando minuciosamente identificamos a placa mãe ou placa heráldica numa zona invisível para mim, bem no centro da minha região lombar.
Em apenas duas mesas de exame tivemos que dar 4 troncais, os 4 exames finais de uma vez. Clinica Médica, Tocoginecologia, Pediatria e Cirurgia.
Eu tentei logo as 4 de uma vez na primeira mesa e reprovei Tocoginecologia, era muito pouco tempo para estudar uma quantidade exorbitante de matérias e ter tudo na ponta da língua, na segunda mesa fui e finalmente pude aprovar e me credenciar para o exame final de medicina.
Com meu amigo Facundo Carrizo (atualmente Cardiologista em 2023) Felizes por ter aprovado a segunda mesa de Tocoginecologia.


Nesse então tínhamos que estudar tudo novamente essas 4 matérias, passando os dias... E faltando apenas 1 semana para o exame, nos reunimos todos os alunos na unlar e numa quente tarde de dezembro de 2019 realizamos um sorteio. O Dr. Danon faz uma espécie de bingo com o nome de todos alunos e vai nomeando oque ele tira o nome do saquinho e cada qual vai em dois grandes grupos, Um grupo para o hospital materno infantil e outro grupo para o hospital Vera Barros, os dois maiores hospitais de principal complexidade da província de La Rioja. Quem vai ao Vera Barros vai ser avaliado por uma banca de Clinica Médica e Cirurgia e quem vai ao Materno Infantil é avaliado por um tribunal de Tocoginecologia e Pediatria.
Para minha alegria e sorte fui sorteado para o Hospital Vera Barros com enfoque em Clinica Médica que era a troncal mais tranquila de todas. A partir dai comecei a estudar como um louco tudo que fosse relacionado a Cirurgia e Clinica Médica troncais que tinha maior afinidade e deixando de lado tudo que fosse Pediatria e Tocoginecologia.
Confesso que estudava com maior prazer essas duas matérias (hoje já escrevo esse texto para vocês como um médico especialista em Diagnostico por Imagens, rama da medicina que tem muito mais a ver com essas troncais, né. Já estava predestinado a seguir esse rumo da medicina!) Enfim indo ao post. No derradeiro dia da avaliação final, estava citado para ter meu exame já de tardezinha, e recebi uma chamada as 14h do Dr. Sosa, titular de Clinica Médica me convidando a ir ao Hospital para realizar meu exame final, na mesma hora acedi ao pedido, peguei meus livros e meu super caderno com um mega dossiê de resumos que eu tinha criado e foi fundamental nesse dia para meu exame.
Fui ao Hospital, falei com Nicolas Cuenca um dos encarregados da universidade no Vera Barros e ele entregou o numero de quarto e cama do paciente que deveria realizar uma historia clinica, parti até lá e encontrei o paciente saindo numa maca no corredor, perguntei aonde ele ia, O PACIENTE QUE ERA MEU EXAME FINAL ESTAVA SENDO DERIVADO! Eu inocentemente disse que tinha que fazer a historia clinica dele, no que os paramédicos riram e disseram, busque outro paciente, esse vem conosco! Já toda a ansiedade e stress que tinha acumulado a semanas me fez entrar em desespero, todos os pacientes já haviam sido assignados para diferentes alunos, e não tinha nenhum pra mim. Então voltei e perguntei ao encarregado se ele sabia de algum outro, oque ele disse, "vai lá no setor de clinica médica e faz a historia clinica de alguém, vai ser a base pro teu exame final". Voltei desorientado, tratei de me acalmar e fui buscar algum paciente. Até que encontrei uma senhora e olhei em seus olhos e a escolhi para minha historia clinica pedindo licença para indagar ela. Foi uma historia clinica que nunca mais me vou esquecer, ela estava internada em decorrência de um derrame pleural.
Momentos antes do exame final estava repassando minhas anotações de derrame pleural que tinha feito 3 anos antes, me seriam uteis para defender minha historia clinica que tinha feito a perfeição momentos antes com a paciente.

Durante o exame final, vi o Dr Sosa sorridente na mesa, ele começou perguntando sobre a paciente e como tinha feito a historia clinica, logo começou a fazer perguntas de derrame pleural, sintomatologias, clinicas, tipos de ruídos na auscultação, método diagnostico, padrão que vemos na placa de raios x e toracocentese. Depois ele quis saber normalmente a quantidade de liquido em derrames pleurais e sobre o liquido que detalhei os tipos se exsudato ou transudado. Depois de terminar de explicar e detalhar a característica de cada um. Ficamos os dois brevemente em silencio e o Dr. Sosa me olhava e sorria, perguntei se estava aprovado e ele disse que sim. Finalmente naquele momento soube que era, depois de 49 exames finais... Um médico. 
19 de dezembro de 2019 o dia que me tornei médico!
Depois de conseguir tal façanha sai de fininho voltei e agradeci a paciente que fiz a história clinica e vazei do hospital sem ninguém tacar farinha tinta ovos ou qualquer coisa, prática comum na Argentina mas que eu não curto muito.

Depois de mais de 3 anos de atraso escrevo essa postagem. Quero agradecer a todos que me acompanharam até aqui durante essa trajetória foram 7 anos, praticamente 8 só de graduação em medicina na argentina e na universidad nacional de la rioja! E quero avisar que não termina, tenho pensado escrever como esta sendo minha trajetória como médico, vocês gostariam de ler? Um grande abraço a todos vocês!