Ninguém imaginava que um lockdown de 15 dias se tornaria um pesadelo de 8 meses sem poder circular.
E assim eu cheguei em Rioja, sem domicilio, logo fiquei na casa de um amigo san juanino que ainda cursava medicina e estava em San Juan, fiquei para cuidar do lar e dos bens dele já que circulavam ladroes de botijão de gas furtando as casas vazias de estudantes. Já tinha um emprego apalavrado na patagônia em uma empresa de ambulancias em Rio Gallegos, mas não avançou devido ao estrito controle de circulação, não havia ônibus de larga distancia, muito menos aviões. Foi bem restrito na Argentina, ninguém podia sair nas estradas. Então com o passar dos meses, sem muita perspectiva comecei a buscar emprego já que precisavam urgentemente de médicos na linha de frente.
Mesmo sem o diploma me contrataram no principal hospital da cidade. Por ironia do destino eu ficava de plantão vendo tudo que não era respiratorio, então via cólico biliar, pancreatite, hipertensão, desorden de diabetes, etc, mas a maioria eram problemas do aparelho gastrointestinal, ainda assim tínhamos que usar toda a armadura pois muitas vezes vinham pacientes com pneumonia oculta e cheios de covid.
E assim por meses trabalhei nessas condições, logo percebi coisas que não gostei, colegas médicos que puxavam saco de autoridades ou tinham padrinhos políticos se acomodavam em cargos, e na hora de cobrar o salario sempre ficavam me devendo 1 plantão, se eu fizesse 10 plantões no mes, me pagavam 9, ou seja um claro roubo na cara dura, esse tipo de coisa tive que suportar por varios meses, isso foi de abril 2020 aprox até novembro de 2020 quando morreu o Maradona, o cara era um ídolo na Argentina e todos já estavam de saco cheio de ficar presos, o enterro dele juntou muitas pessoas e o governo finalmente teve que relaxar, foi quando começou de maneira tímida a circulação de pessoas pelo país. Me lembro que fui ao Brasil para ver minha familia agora ja com diploma da universidade e fiz sem muita fé o primeiro exame do revalida, acho que a nota de corte esse ano era 60 pontos e se não me engano eu fiz 55 pontos sem estudar, reprovado voltei a Argentina para trabalhar mas dessa vez podendo escolher um lugar melhor que La Rioja, vou fazer uma critica agora, amo La Rioja e os riojanos, sou muito agradecido por ter vivido ali 8 anos e ter me formado médico, porem reconheço que como médico e tendo trabalhado em Rioja, vejo que é uma provincia pobre, corrupta, com marcada desigualdade social onde poucas famílias mandam e concentram riqueza e poder, onde cargos médicos se ganham por nome e influência e não por méritos e esforço individual, jamais aceitei ficar bajulando autoridades e isso sempre me manteve como médico descartável no hospital onde estava, e era o principal hospital de La Rioja (Vera Barros). Me lembro perfeitamente que estava uma madrugada de plantão e abri o google maps, olhei o mapa da Argentina e pensei, onde eu gostaria de viver?
Sempre quis ter uma experiencia de vida no sul, na patagônia, e conhecia cada rincão do país pelas minhas andanças de moto e viajante. Tinha simpatia por Ushuaia... Porém... Na minha opinião a ilha grande de Terra do Fogo era muito longe e isolada, e também só admitia médicos especialistas, eu era um simples medico generalista, depois outro lugar encantador era sem dúvidas o entorno de Bariloche, era obvio que um lugar de natureza exuberante era um fator chave para eu desenvolver minha vida, e isso eu fiz.
Mandei meu curriculum para todos os hospitais e clinicas nas cidades cordilheiranas, desde Villa Pehuenia ao norte até Epuyen ao sul, abarcando 3 províncias, Neuquén, Rio Negro e Chubut.
No dia seguinte me responderam pedindo para eu ir imediatamente para a cidade de Aluminé. Abundavam ofertas de trabalho no sul, por contatos, amigos, indicações.
Eu tinha convites para ir trabalhar na costa da Patagônia, em Comodoro Rivadavia e Rio Gallegos, na meseta em El Chocon e Aluminé era o único lugar na cordilheira, não era o melhor salário comparado com outros lugares da patagônia, mas entre costa meseta e cordilheira eu escolhi o lugar que desejava do fundo do coração, a montanha, o bosque andino patagônico e la fui, Aluminé.
Lugar que tive que trabalhar na segunda e terceira onda da pandemia de covid 19 e vivenciei muitas coisas. Mas isso fica para uma próxima postagem.
Falando de dinheiro que é oque todo mundo gosta de saber o salario sempre foi em torno de 1000 dolares, em La Rioja era menos pela oferta de médicos, entre 700 e 900 dolares. Ao ir para Aluminé eu cobrava o dobro de la Rioja, em torno de 1800 dolares mensais.
Espero no futuro trazer mais detalhes de como foi minha vida como médico rural na patagônia, emprego que eu amei.
